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Eraserhead

 

Género: Terror/Fantasia

Duração: 89 minutos

Ano de lançamento: 1977

Diretor: David Lynch

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Nunca tinha visto nenhuma obra de David Lynch, portanto, penso que será completamente desnecessário afirmar que fiquei boquiaberta com “Eraserhead”. Há algo muito desconcertante neste filme. Nos 89 minutos em que o assistimos temos a impressão de olhar para um mundo completamente alheio, desconhecido, mas, por outro lado, temos consciência de que tudo o que observamos é familiar, comum, autêntico.

O filme pauta pela dissonância que provoca nas nossas mentes, o próprio Henry (Jack Nance) apresenta um aspeto louco e desesperado, contudo, é das personagens mais contidas e, muitas vezes, a mais “normal” da sala.
Há duas teorias que para mim poderiam explicar esta obra. A primeira é que Lynch se inspirou no subconsciente, ou seja, o filme é quase uma manifestação daquilo que possam ser as construções e memórias que reprimimos e que, inevitavelmente, ficam guardadas na parte da mente que não controlamos. Noutra perspetiva, podemos considerar que se trata de um pesadelo, simplesmente. Em ambas as situações, e partindo do pressuposto que estamos dentro da cabeça do Henry, atrevo-me a fazer três afirmações: Henry esta assustado com o facto de ser pai, Henry acha que Mary X (Charlotte Stewart) não será uma boa mãe e a menina no radiador é a metáfora suprema de todo o filme.

O facto de Henry estar assustado com o papel da paternidade parece-me evidente, sendo que todo o enredo gira à volta do “bebé” prematuro. Para além disso, a maior parte das cenas remete para a criatura bizarra (o “bebé”). O aspeto que o “bebé” tem não me surpreende, embora nunca tenha sido mãe, creio que quando está para nascer uma criança, os pais têm uma elevada preocupação, não concretamente com a aparência, mas com possíveis problemas de saúde, deficiências, etc. Considero que este “bebé” é o maior fator de horror em toda a longa-metragem e isso demonstra um medo avassalador por parte do protagonista. Quando afirmo que Henry acha que Mary X não vai ser uma boa mãe ou que não irá poder contar com a sua ajuda, estou apenas a fazer uma interpretação de certas cenas. Retirando o momento mais óbvio, que é aquele em que a mãe do “bebé” abandona-o com Henry, existe algo em particular que me chamou a atenção: no jantar, por exemplo, em que Henry conhece os pais de Mary X, esta começa a ter ataques e a mãe dela (Jeanne Bates) penteei-a. Freud poderia explicar tal comportamento, mas eu gosto de interpretar esta cena como uma indicação da falta de capacidade que Mary tem para cuidar de si própria. Para além disso, ela está sempre a chorar, vulnerável, como se lhe faltasse força para lidar com a situação.

Por último, temos a menina do radiador, a estranha menina do radiador que tem dois obsessos na cara, que pisa espermatozoides em cima de um palco, que abraça Henry no final do filme, após ele matar o “bebé”. Gosto de pensar que as suas horripilantes bochechas são uma alusão à barriga de grávida e, ao contrário de várias opiniões que ouvi, eu não acho que ela representa a morte, mas sim a paz, a lugar seguro que a cabeça de Henry inventa para lidar com aqueles traumas e medos todos. Um refúgio inconsciente do seu próprio subconsciente.

Faço ainda uma ressalva para o momento em que Henry perde, literalmente, a cabeça que é resgatada por um menino (Thomas Coulson). O menino leva a cabeça para arranjar a um operador de máquinas de lápis (Hal Landon Jr.) que retira um pedaço de madeira da cabeça de Henry e através dele faz múltiplos lápis com cabeças de borracha (Eraserhead). Senti que esta cena, em particular, foi um presente do próprio David Lynch. Quase como um rebuçado a meio do filme, uma recompensa do género “vistes até agora e não entendeste nada, por isso vou ao menos elucidar-te do título que escolhi para o filme”. Para além disso, estas passagens, que não correspondem ao atual fio condutor da história, assemelham-se a pesadelos dentro do próprio pesadelo que se vive durante o filme.

O final é o culminar da loucura, um curto-circuito da cabeça do Henry e dos seus pensamentos. Uma crise existencial no seu expoente máximo.
A parte sonora do filme é vital para induzir todos os sentimentos possíveis e imaginários nos telespectadores. Os ecos, ruídos mecânicos, o próprio silêncio de vácuo, a ausência de falas por longos períodos, etc. são peças no puzzle que intensificam o constrangimento que se apodera de nós.

A imagem, por sua vez, foi algo muito interessante e enigmático. Existem frames durante o filme que poderiam ser quadros, fotografias, momentos estáticos. Em suma, a minha primeira interação com a obra de David Lynch foi intensa, avassaladora e absorvente, mas através do que consegui perceber o próprio diretor é isso tudo e algo mais.

Inês Saldanha

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