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Paris, Texas

 

Género: Drama

Duração: 145 minutos

Ano de lançamento: 1984

Diretor: Wim Wenders

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“Paris, Texas” (1984) é uma trajetória emocional e autêntica.
Nas primeiras cenas do filme acompanhamos, através de planos abertos, Travis (Harry Dean Stanton), um homem de fato e com chapéu vermelho que deambula desorientado pelo deserto, no Texas. Ao fim de algum tempo a caminhar na imensa paisagem, acaba por encontrar um bar, entra, come gelo desesperadamente e desmaia, ficando inconsciente.
Esta primeira cena é bastante intrigante porque ao mesmo tempo que nos desperta curiosidade, também nos desbloqueia algumas memórias sensoriais que conquistamos em outros filmes. Por exemplo, toda a construção inicial do deserto aliada à música de Ry Cooder teletransporta-nos para os velhos filmes de Western.
Após o desmaio, Travis acorda num consultório e o médico que o assiste entra em contacto com o seu irmão, Walt Henderson (Dean Stockwell), para que este o vá buscar.
Nas cenas seguintes observamos Walt e a sua mulher, Anne Henderson (Aurore Clément), a questionarem o aparecimento de Travis, após quatro anos sem saberem nada dele, e constatamos a enorme vontade de Walt em reencontrar o seu irmão. A urgência que Walt tem em reunir-se novamente com Travis revela uma necessidade que predomina no filme e nas diferentes personagens, a necessidade de preencher algo que falta, de encontrar algo perdido.
Após se reencontrarem, Walt convence Travis a regressar a casa e embarcam os dois numa road trip, o que nos direciona para o género muito específico dos road movies.
Ao regressar a casa, juntamente com Walt, Travis é confrontado com os fantasmas do seu próprio passado e o reencontro com o seu filho, Hunter (Hunter Carson), assim como a decisão de procurar Jane (Nastassja Kinski), o grande amor da sua vida, atribuem ao filme uma maior complexidade. Este acréscimo de complexidade emocional é visível através de planos mais fechados e detalhados. A própria escolha de Wim Wenders em construir cenas longas permite-nos uma maior intimidade com a história e com o ambiente em que ela se desenvolve.
O filme explora emoções humanas como culpa, remorso e nostalgia, enquanto as personagens embarcam numa jornada de encontros e descobertas.
Ao longo do filme, é notória a utilização da metalinguagem, como são exemplo os telefones, os walkie-talkies, as fotografias, o filme caseiro. Travis e Jane nunca chegam a falar presencialmente, mas sempre através do telefone. Travis despede-se de Hunter através de uma gravação. Interpreto este mecanismo como forma de transmitir a dificuldade que as personagens têm em lidar com marcos dolorosos do passado e em se expressarem entre si.
A estética singular do filme é destacada pela predominância de cores como o vermelho, o azul e o branco. Estas cores invocam a bandeira americana, sugerindo uma reflexão sobre a personagem de Travis e a fuga do estereótipo do clássico herói americano. Além disso, a presença destas cores faz eco à bandeira francesa, o que torna o título "Paris, Texas" especialmente adequado.
Contudo, o vermelho é a cor dominante, simbolizando o amor destrutivo e a profunda dor das personagens. Quando Travis vê Jane pela primeira vez, a sua presença é marcada por tons agressivos de vermelho e cor-de-rosa, refletindo uma tempestade de emoções. À medida que a narrativa avança e a dinâmica entre as personagens floresce, os tons tornam-se mais neutros, e o verde destaca-se como símbolo de esperança. Esta transição sugere que a busca pelo perdão e por um novo recomeço finalmente se concretizou.
A influência dos quadros de Edward Hopper nos filmes de Wim Wenders é notória. As cores, as paisagens, a construção da imagem de Wenders assemelha-se muito à estética de Hopper.
A minha cena favorita é aquela em que Travis e Jane falam pela última vez. O recorte que se cria através da presença e ausência de luz nos rostos das personagens, espelhados no vidro que as separa, é dos melhores momentos de cinema a que já assisti. Cruel, intenso e verdadeiro.
O silêncio é uma enorme característica deste filme. Os momentos de silêncio são estratégicos e pertinentes. O momento final, onde Jane e Hunter se reúnem não tem qualquer tipo de diálogo, o que o torna brilhante.
As emoções não devem ser escravas das palavras e, por vezes, não existem palavras que cheguem para expressar certas emoções.

Inês Saldanha

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