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Alice no País das Maravilhas

 

 

Género: Infantil/Fantasia

Duração: 108 minutos

Ano de lançamento: 2010

Diretor: Tim Burton

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Para mim “Alice nos País das Maravilhas” é uma alucinação da própria Alice (Mia Wasikowska): um sonho, um pesadelo, um grito do subconsciente.
Durante o filme, observei diversos locais comuns entre o País das Maravilhas e o “mundo real” da protagonista.
As personagens são um reflexo umas das outras, uma recriação. Por exemplo, os gémeos Tweedledee e Tweedledum (Matt Lucas) são um retrato das irmãs Chattaway (Eleanor Tomlinson / Eleanor Gecks). O pai da Alice (Marton Csokas) e o Chapeleiro Maluco (Johnny Depp) respondem da mesma forma quando ela lhes pergunta se está louca: “Have I gone mad? / I'm afraid so. You're entirely Bonkers. But I will tell you a secret, All the best people are.”. Esta citação é, sem dúvida, uma das minhas prediletas e é precisamente nela onde começa, para mim, a grande premissa desta história: posso ser louco porque todos somos loucos.

A adaptação de Tim Burton não é um filme para crianças, mas sim um lugar seguro para os adultos usarem a imaginação, mascarado da típica história do herói (contrariando a tendência para este salvador ser um homem).
A própria estética do filme não engana. As tonalidades são sombrias, a temperatura da cor é fria e, mesmo quando surgem cores aguerridas, como o vermelho da Rainha Vermelha (Helena Bonham Carter), o objetivo não é satisfazer o cérebro infantil. As cores intensas apenas pretendem enfatizar a loucura, o caos, a alucinação. Quando as personagens ficam tristes a tonalidade torna-se mais acinzentada, até mesmo um pouco fúnebre e sinistra. O vermelho associado à vilã representa vingança, guerra, sangue. A cor é um dos pontos fortes deste filme e desempenha um papel crucial para a sua compreensão.

A instabilidade das personagens causa desconforto, preocupação e uma enorme dissonância na mente do espectador. Os nossos olhos absorvem um mundo encantado, porém os detalhes, as palavras cruzadas e os sons distorcem a fantasia.
O próprio humor sarcástico e ácido dos diálogos e as reflexões profundas são evidentes marcos das crises existências dos adultos. Existe um sentido sínico prevalente no enredo que surge quando perdemos a inocência da infância, a pureza da idade sonhadora.

A queda no buraco é das cenas mais icónicas de sempre, mesmo alguém que nunca tenha visto nenhum filme da “Alice nos País das Maravilhas” sabe que, a certo momento, ela cai dentro de um buraco. A mim encanta-me, particularmente, esta passagem. Acho que é a perfeita metáfora para a passagem entre os dois mundos: o mundo conservador, aborrecido e que segue protocolos enfadonhos e o mundo onde um gato pode rir enquanto se evapora e uma lagarta pode fumar enquanto discorre um discurso sábio e enigmático. Na minha perspetiva, todo o caos do buraco é uma explosão de todos os pensamentos conflituosos que pairam na cabeça de Alice. Quantos de nós já não nos sentimos tão “desarrumados” mentalmente que aquele buraco poderia, facilmente, ser a nossa própria mente?

O Chapeleiro Maluco interpretado pelo genial Johnny Depp é das personagens que mais me fala ao coração. Na sua conceção irreal, ele é das coisas mais reais que eu consegui observar. A sua tristeza, a sua alegria, a sua confusão, a sua raiva são a perfeita personificação de ser pessoa (lamento a redundância). É uma personagem que vive através da junção das várias fragilidades humanas, o verdadeiro significado de imperfeitamente perfeito.

Acredito que esta personagem beba da junção brilhante entre Johnny Depp e Tim Burton, como podemos assistir anteriormente em “Edward Mãos de Tesoura” e “Charlie e a Fábrica de Chocolate”. Ambos aglomeram este quadro de loucura, desânimo e alegria sinistra que eu adoro, inevitavelmente.
Antes de finalizar esta ingénua apreciação, preciso realçar os figurinos deslumbrantes criados por Colleen Atwood e que valeram ao filme o Óscar para melhor figurino, em 2011. O guarda-roupa do filme é trabalhado, detalhado, combina, perfeitamente, o estilo romântico com o neo grunge e consegue evocar a personalidade das diferentes personagens. Os pormenores das copas na Rainha Vermelha, os padrões intensos no Chapeleiro Maluco, os vestidos com espartilho e a transparência na Rainha Branca são apenas alguns modelos que valem a atenção de os vê.

"Alice nos País das Maravilhas" não se ergue como uma descoberta genial ou uma novidade brilhante. No entanto, revela-se como um refúgio para aqueles que há muito deixaram de sonhar. No filme encontramos o consolo que a imaginação oferece e um toque de insanidade que nos resgata das sombras do cotidiano.

Inês Saldanha

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